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TEA: OS DESAFIOS DO DIAGNÓSTICO À ACEITAÇÃO

Os caminhos percorridos por pais e mães de crianças autistas, quais os desafios enfrentados e qual expectativas para o futuro

 

 

Aproximadamente 0,91% da população mundial se encontra em algum nível no Transtorno do Espectro Autista, o que significa que, no Brasil, existem 2 milhões de pessoas com o transtorno e nascem cerca de 70 crianças autistas todos os dias. Esta é a melhor estimativa que existe no momento, projetada pelo CDC (Center of Deseases Control and Prevention) dos Estados Unidos.

 

Oficialmente, no Brasil, só teremos informações precisas sobre o número de pessoas no espectro após a realização do censo populacional, que está em curso atualmente. O fato é que todos os dias dezenas de pais e mães descobrem o autismo de seus filhos e precisam aprender a lidar com esta realidade.

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O que causa o autismo?

Autismo é um transtorno global do desenvolvimento infantil que se manifesta nos primeiros anos da criança e se prolonga por toda a vida. Pode apresentar-se com um conjunto de sintomas que afetam principalmente a socialização, a comunicação e o comportamento, sendo a área da interação social a mais afetada.

 

Segundo a Psiquiatra infantil, Dra. Jordana Farias, o autismo decorre de fatores genéticos, ou seja, alterações no código genético do feto, que ocorrem ainda no útero da mãe, vão dar origem a reações químicas que modificam a formação de células neurais e podem ocasionar o transtorno. É importante mencionar que o fator genético é o principal, mas, não o único, diversos estudos indicam o fator epigenético como um dos causadores do autismo, ou seja, condições do ambiente externo que interferem no DNA, como estilo de vida dos pais, infecções, exposição a substâncias tóxicas e complicações durante a gravidez.

 

Portanto, não há como prever ou evitar o acontecimento do transtorno, mas cada vez mais a ciência avança e traz mais informações para a comunidade médica e para as famílias sobre o autismo, ajudando em uma intervenção precoce e em um tratamento muito mais específico, tendo em vista a possibilidade de associação do TEA com outros transtornos, como por exemplo, seletividade alimentar, distúrbio de sono, ansiedade, TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) e TOD (Transtorno Desafiador de Oposição).

 

“O diagnóstico de autismo ‘quase sempre’ vem acompanhado por outras comorbidades (transtornos) e algumas síndromes raras, por isso é importante realizar consulta com geneticista para um diagnóstico mais preciso e conduzir melhor o tratamento, pois, entendendo melhor o perfil de demanda desse indivíduo o processo de evolução será mais eficaz”, explica a Psiquiatra.

Como acontece o diagnóstico?

Não há um exame específico para detectar o TEA, ou seja, o autismo não pode ser identificado em exames de sangue ou imagem. O diagnóstico do autismo é feito através da avaliação do quadro clínico e da observação comportamental da criança. É possível que a criança demonstre sinais que é portadora do transtorno desde muito cedo e por isso é importante que a família esteja atenta a qualquer atraso no desenvolvimento.

 

“O diagnóstico do autismo é clínico e são necessárias avaliações de uma equipe multidisciplinar, como também a aplicação de escalas e testes neuropsicológicos para fundamentar o laudo médico, bem como indicar o tratamento correto”, acrescenta a Dra. Jordana Farias.

 

Ainda segundo a Psiquiatra, existem alguns sinais que a família pode ir percebendo ao longo do tempo e que podem levar os pais a suspeitar que a criança é autista, como por exemplo, não sustentar o olhar, apresentar atraso de linguagem (não conseguir estabelecer um diálogo), não brincar funcionalmente, preferir ficar sozinha mesmo estando com outras crianças ao seu redor, fazer movimentos repetitivos (estereotipados), flaps com as mãos, movimentos incomuns com os dedos e corpo, não apontar para o que quer e usar o adulto para pegar algo que queira.

 

Uma ferramenta muito importante para os pais e que pode auxiliar na constatação de alguma anormalidade de desenvolvimento é a caderneta da criança, instrumento que auxilia no acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil e todo cidadão tem direito a receber um exemplar assim que nasce. Na caderneta constam os marcos de desenvolvimento neuropsicomotor, afetivo e cognitivo.

 

“As cadernetas vêm com o instrumento Checklist M-CHAT-R/F. A escala M-CHAT-R auxilia na identificação de pacientes com idade entre 16 e 30 meses com possível transtorno do espectro autista. O instrumento é de rápida aplicação, pode ser utilizado por qualquer profissional da saúde, e deve ser respondido pelos pais ou cuidadores durante a consulta. A avaliação pela M-CHAT-R é obrigatória para crianças em consultas pediátricas de acompanhamento realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), segundo a Lei nº 13.438, de 26 de abril de 2017”, completa a Psiquiatra.

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Níveis de autismo

Conforme o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-V), após alterações nos critérios para o diagnóstico do TEA, foram estabelecidos níveis de intensidade no autismo. Ainda de acordo com o DSM-V, os diagnósticos de autismo, síndrome de asperger, transtorno invasivo do desenvolvimento e transtorno desintegrativo da infância, foram combinados em um só: Transtorno do Espectro Autista.

 

Através desta mudança, os níveis de intensidade no autismo “surgiram”, os quais permitem um diagnóstico mais preciso, possibilitando identificar o nível, que pode variar entre leve a grave.

 

Para a Psiquiatra Dra. Jordana Farias, os três níveis se referem ao suporte ou a ajuda que a pessoa autista irá precisar para realizar suas atividades cotidianas. Segundo a médica os três níveis são:

 

  1. Pouco suporte substancial, é mais conhecido como “autismo leve”;

  2. Suporte moderado, ou seja, precisam de apoio para atividades específicas;

  3. Exigem suporte muito substancial, precisam de muito apoio nas atividades diárias.

 

Ainda de acordo com Farias, o nível de autismo pode evoluir ou regredir dependendo de como o tratamento for sendo realizado com o autista.
 

NÍVEL 1: AUTISMO LEVE - Apresenta os mesmos sintomas do autismo “clássico”, porém, de uma forma mais branda. Apesar de terem dificuldade na comunicação, não interfere no convívio social, podem ainda sentir dificuldades em manter uma conversa, manter e fazer amigos, assim como se sentirem desconfortáveis quando há mudanças ou eventos inesperados em sua rotina.

 

NÍVEL 2: AUTISMO MODERADO - Autistas na faixa intermediária precisam de um suporte maior do que pessoas com autismo leve, no tocante à gravidade dos sintomas e necessidades da pessoa. Semelhante ao que ocorre à pessoas com TEA nível 1, pessoas no espectro nível moderado sentem um conforto maior se
devidamente adaptadas as suas rotinas, causando desconforto caso saiam dos seus hábitos.

 

O comportamento não verbal de pessoas com TEA nível 2 pode ser mais atípico, evitando não olhar para quem está falando e não conseguir expressar emoções pela fala ou por expressões faciais.

 

NÍVEL 3: AUTISMO SEVERO - Pessoas com autismo severo apresentam dificuldade significativa na comunicação e nas habilidades sociais, assim como têm comportamentos restritivos e repetitivos que atrapalham seu funcionamento independente nas atividades cotidianas.

 

Embora alguns indivíduos com nível 3 de TEA possam se comunicar verbalmente, muitos não falam ou não usam muitas palavras para se comunicar. As pessoas com autismo severo precisam de muito suporte para aprender habilidades importantes para a vida cotidiana.

Descoberta e aceitação

O mais comum é que os primeiros sinais de autismo das crianças sejam percebidos na escola. Muitas vezes os professores são os que primeiro notam, no comportamento dos pequenos, sinais que podem indicar transtornos como autismo ou TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) e aí sim, informam aos pais e podem sugerir um acompanhamento clínico para investigar melhor o possível transtorno.

 

É o que explica a Pedagoga, mestra em educação, especialista em Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo (ABA) e Professora de Atendimento Educacional Especializado (AEE) na Escola Municipal José de Carvalho Souza, da cidade de Coruripe, Renata Lima. “É importante destacar que o professor não dá diagnóstico, isso é papel do médico. No entanto, o professor, mesmo que não tenha qualquer qualificação médica para diagnosticar, percebe, por ter uma visão privilegiada da criança, quando ela não está no mesmo nível de desenvolvimento que as demais crianças”, pontua.

 

Renata diz ainda que ao identificar possíveis sinais de autismo, o professor da sala regular deve comunicar a equipe pedagógica e marcar uma conversa com a família. “É importante que esses pais se sintam acolhidos, pois não é fácil receber a notícia que seu filho pode ser autista, diz.

 

Para Daiane Rose, mãe de uma criança autista, o diagnóstico é um momento difícil, que impacta a rotina da família inteira. Segundo ela os pais muitas vezes ficam chocados ao descobrir que seu filho ou filha está no espectro autista, mas acredita que isso ocorre por falta de conhecimento da família sobre o assunto.

 

Para Daiane, por mais que seja difícil, é importante lidar com a situação e iniciar o tratamento o quanto antes. “A aceitação dos pais é o primeiro passo para que a criança receba a intervenção imediata, ou seja, ao sinal do primeiro sintoma, procurar o especialista é essencial. Mas não é fácil, principalmente para quem depende do SUS”, afirma.

Tratamento

Desde que a lei que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista foi promulgada, em dezembro de 2012, as condições de atendimento a pessoas autistas têm melhorado no Brasil, ainda que a passos lentos.

 

No SUS, os pais podem procurar Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e solicitar atendimento psiquiátrico, psicológico, fonoaudiológico e de terapia ocupacional. Mas também existem associações privadas dedicadas a acolher famílias com pessoas no espectro autista. É o caso da Associação Amigos do Autista (AMA), que se dedica a oferecer atendimento interdisciplinar para crianças e adolescentes autistas.

 

Para Mônica Ximenez, presidente e fundadora da associação, ao descobrir o diagnóstico dos filhos os pais ficam muito tristes, muito sofridos, como se estivessem de luto. Por isso, muitas vezes é fundamental existir um acolhimento que possa confortar essas famílias e oferecer orientação e guiar o caminho dos pais e mães de autistas.

 

“Qualquer pessoa que entra em contato com a gente na internet, qualquer pessoa que entra em contato com a gente por telefone, nós disponibilizamos esse serviço de acolhimento. Ele é gratuito, porque é nosso, é a gente que faz. Se precisar passar uma hora, duas horas, três horas, quatro horas com uma família aqui, a gente fica, a gente ajuda, a gente orienta, a gente escuta. Então a gente tem esse trabalho que é nosso, dos pais e mães que no passado também foram acolhidos”, pontua.

 

No entanto, o acolhimento é apenas um primeiro passo. A associação possui profissionais que oferecem atendimento individualizado em psicologia, pedagogia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e educação física. E isso tudo, lembra Ximenez, tem um custo.

 

Ela explica que, na associação, os profissionais são contratados com carteira assinada e que, além disso, precisam pagar por aluguel, energia elétrica, internet, entre outros custos que os pais associados precisam repartir para poder cobrir. No entanto, já existem diversas decisões no sentido de conseguir custear o tratamento através do plano de saúde e até pelo SUS, diz a presidente.

 

Segundo a Psiquiatra infantil, Dra. Jordana Farias, são atualmente indicados tratamentos em práticas baseadas em evidências (PBE), dentre eles se destacam a terapia ABA - Análise do Comportamento Aplicada. A ABA trabalha com o ensino de novas habilidades como comportamentos sociais, comunicação funcional e com a redução de comportamentos inadequados.

 

“A criança deve ser acompanhada por uma equipe multidisciplinar de maneira intensiva, por no mínimo 10 horas semanais, composta por especialistas, tais como: Psicólogo comportamental (Analista do comportamento), fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional e outros profissionais caso haja necessidade (Fisioterapeuta (psicomotricidade), pedagogo/psicopedagogo, educador físico e musicoterapeuta) além de consultas periódicas ao médico psiquiatra”, concluiu a médica.

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Autismo no SUS

O Sistema Único de Saúde (SUS), desde 6 de outubro de 2021, oferece assistência integral a pacientes com transtorno do espectro autista, após um projeto de lei ser aprovado no Senado Federal.

 

Com a entrada da lei em vigor, o SUS disponibilizou atenção integral às necessidades de saúde do paciente com TEA, bem como incluiu o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes. Sendo assim, a criação desses centros de assistência serve como ferramenta facilitadora para pessoas autistas terem acesso ao SUS.

 

De acordo com dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde, números do Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA) mostram que o Brasil realizou, em 2021, 9,6 milhões de atendimentos em ambulatórios a pessoas com autismo, sendo 4,1 milhões ao público infantil com até 9 anos.

 

O Brasil conta com 282 Centros de Atenção Psicossocial infantil (CAPS iJ), 47 oficinas ortopédicas disponíveis e 2.795 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que realizaram 10,8 mil atendimentos a pessoas com autismo em 2021.

 

À equipe formada por médico psiquiatra ou neurologista, complementada por profissionais da área de reabilitação, cabe estabelecer o impacto no desenvolvimento global e processo terapêutico da criança, estabelecendo assim um Projeto Terapêutico Singular (PTS), ou seja, um conjunto de propostas e condutas terapêuticas articuladas para promover o bem-estar do paciente interdisciplinarmente.

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O que a lei garante

As famílias que convivem com pessoas diagnosticadas com autismo dentro de casa precisam enfrentar duras batalhas. Começando pelo próprio diagnóstico, que leva muito tempo. Mas, além disso, após  diagnosticado, o paciente precisa, na maioria das vezes, recorrer à justiça para conseguir seus direitos.

Um dos principais motivos que fazem as famílias recorrerem à justiça são as dificuldades encontradas na relação entre plano de saúde e escolha do melhor tratamento para o autismo. Mas, afinal, os planos possuem cobertura para o tratamento do autismo?

"Em tese, sim". Apesar deles possuírem cobertura para o tratamento, existem diversos impedimentos, impostos pelas empresas.

"O que ocorre é que os planos no geral oferecem terapias tradicionais, no entanto as terapias cientificamente mais eficazes como ABA, alguns planos criam obstáculos para fornecer, ou não possuem profissionais qualificados em sua rede credenciada, o que acaba gerando as ações judiciais", diz a advogada Vanessa dos Santos Aguiar Ribeiro, especialista em Direito Educacional e Direito das Pessoas com Deficiência.

Ela ainda relata que esse foi o principal motivo que a fez escolher essa área do Direito. "O que me levou a trabalhar nessa área foi o diagnóstico de autismo do meu filho, recebido em junho de 2020. Após o diagnóstico, tive que entrar judicialmente contra o plano de saúde para garantir o tratamento do meu filho, que hoje está com cinco anos", revelou a advogada.

Existem muitos casos onde os médicos receitam medicamentos para o paciente autista. No entanto, não são todos que conseguem ter acesso, pois ocorre da família não conseguir pegar nas farmácias do SUS e, por muitas vezes, não ter condições de comprar. "No caso de medicamentos, é dever do Estado fornecer. A família deve procurar a assistência social da cidade, mas se não conseguir administrativamente tem
que entrar com uma ação contra o Município e o Estado no qual reside", explicou Vanessa dos Santos.

O apoio da família é fundamental para o desenvolvimento de uma criança autista | Foto: Anne Rose

Existem também outros benefícios que as pessoas com autismo podem solicitar. "O principal benefício assistencial que a pessoa autista tem direito é o BPCLOAS, que é o Benefício Assistencial ao Idoso e ao Deficiente. No entanto, poucas pessoas têm acesso, pois, além de ser autista, a pessoa precisa atender ao critério de renda familiar, que não pode passar de ¼ do salário mínimo por pessoa. Para solicitar este
benefício, a família deve ir até o CRAS ou algum centro de assistência social de sua cidade, ou fazer o pedido direto pelo aplicativo Meu INSS. Caso o benefício seja negado, é possível recorrer judicialmente", diz a advogada.


O direito ao BPC-LOAS é um dos mais procurados pelos pais com filhos autistas. Para conseguir os benefícios a Advogada conta que é necessário apresentar os documentos básicos RG e CPF, laudo atualizado, Cadastro Único, comprovante de renda e residência.

Além disso, para apresentar à justiça é recomendado que o laudo seja emitido por um médico neurologista ou psiquiatra, que são os especialistas responsáveis por tratar de pacientes com autismo. Outro direito do autista e que muitos não possuem conhecimento é o de conduzir veículos e solicitar descontos na hora de comprar automóveis. "O autista, dependendo do nível, pode conduzir veículo normalmente. Os autistas ou o responsável legal por ele podem fazer a compra de veículos novos com isenção de IPI, e pode conseguir isenção também de ICMS e IPVA, a depender do Estado em que reside", relata Vanessa.


Em relação ao mercado de trabalho, o autista pode e tem o direito de trabalhar, porém, as oportunidades de emprego são muito poucas, pois muitas empresas negam contratar pessoas com autismo. “A questão do mercado de trabalho infelizmente é complicada, faltam oportunidades para os autistas. Mas se o candidato foi selecionado para a vaga, e ficar provado que não foi contratado porque era autista, isso se configura crime de discriminação contra a pessoa com deficiência, por isso deve ser feito um boletim de ocorrência”, diz a advogada.

Ressalta-se que quando a família de um autista procura a justiça para obter osseus direitos, não existe um tempo certo para conseguir ganhar a causa. “O tempo das ações judiciais variam de município e estado, pois leva em conta a demanda de ações daquela região e se há recursos, então pode levar um, dois, três anos. O que acontece é que na maioria das vezes o advogado faz um pedido de liminar, para que o juiz já
garanta o que está sendo pedido, enquanto isso o processo segue em curso. As liminares
geralmente saem bem rápido, algumas em um mês, outras em 48 horas, dependendo do
caso”, completou a advogada.

Inserir os autistas em atividades extra curriculares faz toda diferença no aprendizado | Foto: Anne Rose

Educação

Todas as pessoas com autismo têm direito ao acesso à educação, seja nas escolas da rede pública ou privada de ensino. Duas leis têm sido extremamente importantes para assegurar que esses direitos sejam garantidos aos autistas no ambiente escolar. São elas: Lei Berenice Piana e a Lei Brasileira de Inclusão.

Sendo assim, um dos principais direitos do autista na fase de aprendizado é a necessidade de um acompanhamento especial, mas é comum encontrar instituições de ensino que se recusam a disponibilizar o profissional, mesmo sendo um direito do estudante.

"Em relação ao mediador, primeiro é importante destacar que sua indicação deve ser realizada pelo médico especialista que acompanha o autista. Com o pedido médico e uma solicitação por escrito realizada pela família, se por algum motivo a escola se recusar a fornecer o profissional, pode-se procurar a secretaria de educação ou a delegacia de ensino da cidade. Se mesmo assim não resolver, o caminho é procurar o ministério público, a defensoria pública ou um advogado especialista para entrar com uma ação judicial", esclarece a advogada Vanessa dos Santos Aguiar Ribeiro.


Além disso, existem também muitos outros problemas que afetam de uma forma direta a educação de pessoas autistas. "O principal problema na educação hoje é que dificilmente existe uma inclusão efetiva, e isso ocorre por diversos motivos, dentre eles a falta de capacitação dos profissionais, falta desconscientização da comunidade escolar, falta de um plano de ensino individual e falta de um mediador quando a criança necessita", relata Vanessa.

Estimular o desenvolvimento de habilidades sociais das crianças é muito importante, e o ambiente escolar é um dos locais onde ocorrem os principais estímulos para a socialização. É na escola que a criança aprende a fazer escolhas, participar de atividades que irão contribuir com seu crescimento, além da troca de aprendizados com as outras crianças da mesma faixa etária. As pessoas com o espectro podem apresentar dificuldades no desenvolvimento das habilidades sociais, por isso é ainda mais fundamental trabalhar a socialização dentro do ambiente escolar para os autistas.

A Pedagoga Renata Lima ressalta de que maneira a escola pode contribuir para o desenvolvimento de crianças com autismo. “A escola tem um papel fundamental na vida cotidiana das pessoas com autismo e é dever da instituição criar um ambiente inclusivo para receber esses alunos e garantir seu aprendizado dentro e fora da sala de aula. Isso pode ser feito através da criação de processos e estratégias que facilitem o aprendizado”.

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Toda criança autista tem direito de ser inserida na sala de ensino regular, seja na rede pública ou privada de ensino, com o auxílio de um AVE | Foto: Anne Rose

Renata Lima explica como é conduzido o ensino para crianças autistas dentro da sala de ensino regular. “Se o aluno consegue acompanhar a turma, ótimo, o professor deve ficar de olho, claro, mas tem que deixar que o mesmo acompanhe o conteúdo. Caso a criança não acompanhe, é importante que o professor adapte a aula e o currículo para essa criança, uma vez que a lei assegura que o currículo e as atividades sejam adaptadas e flexibilizadas, de acordo com a necessidade e possibilidade de cada aluno. Caso o professor não saiba o que fazer, pode e deve pedir orientações para o professor da sala de recursos, que tem a incumbência de articular com ele os caminhos para o acesso ao currículo pelo aluno”.

 

“O auxiliar de vida escolar (AVE), também chamado de profissional de apoio, é um profissional que acompanha o estudante diariamente, contribuindo para a eliminação de barreiras que impedem a inclusão escolar desses sujeitos. De acordo com a lei brasileira de inclusão, esse profissional deve exercer a função de auxiliar na alimentação, higienização, locomoção e atividades escolares de estudantes com deficiências. O AVE é um direito da pessoa com deficiência, tanto em escolas públicas, quanto em escolas privadas, muito embora a maioria das escolas particulares não cumpram essa lei”, frisou a mestra em Educação.

 

Outra ferramenta importante para o desenvolvimento dos estudantes com autismo é a sala de recursos. A pedagoga falou como funciona e como as atividades realizadas nessa sala podem contribuir:

 

“A sala de recursos é um direito da pessoa com deficiência, consequentemente da criança autista. O professor deve ser especializado e organizar o tempo e o tipo de atendimento que vai oferecer para a criança. Nosso foco é identificar as estratégias e recursos que promovam a aprendizagem desses sujeitos, construir com a autonomia e promover a parceria entre a família e a escola. É um apoio complementar ou suplementar, não é reforço. Trabalhamos a partir de um atendimento personalizado, de acordo com as necessidades e particularidades dessas crianças, com vistas a buscar estratégias significativas de potencializar as habilidades necessárias para a aprendizagem da criança autista, buscando valorizar seus conhecimentos prévios e elaborando recursos pedagógicos que auxiliem no desenvolvimento desses sujeitos”, disse Renata Lima.

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Reabilitação

Quando se fala em transtorno do espectro autista uma coisa que não pode acontecer é o desperdício de tempo, pois, ao menor sinal de qualquer atraso ou déficit no desenvolvimento neuropsicomotor e social da criança, a família precisa estar atenta e providenciar o tratamento adequado, mesmo não havendo o diagnóstico fechado de autismo. É essa intervenção precoce que pode fazer a diferença na habilitação e reabilitação da criança.

 

Trabalhando com a questão do desenvolvimento humano da criança na parte da psicomotricidade, a Educadora Física e Terapeuta Ocupacional, Franciny da Silva Oliveira, atua dentro das suas duas áreas de formação com o objetivo de fazer com que as crianças consigam se desenvolver da melhor maneira possível, com mais autonomia e com mais independência.

 

“Eu posso trabalhar tanto a questão para o desenvolvimento motor global da criança, como também trazer situações para parte da terapia ocupacional, que é a questão da criança se desenvolver melhor na parte da escrita, se desenvolver melhor na parte de atividades manuais e tudo isso a gente começa fazendo de acordo com a parte motora global da criança. A criança conhecendo as partes mais amplas vai adquirindo melhores habilidades para se trabalhar a parte da motricidade fina, o que vai ajudar ela no seu desenvolvimento de forma geral, para questões do dia a dia e para vida escolar”, diz Franciny.

 

A escolha do tratamento deve ser feita em conjunto entre os profissionais e a família do paciente, sendo garantidas as informações de alcance e benefícios do tratamento, bem como de acordo com as particularidades de rotina da criança e sua família. É de extrema importância uma constante avaliação do processo de habilitação/reabilitação, pois, devido a individualidade de cada caso, devem ser levadas em consideração as formas que o paciente tem de se relacionar com as pessoas e com o seu ambiente, bem como a progressão do tratamento em vários níveis e ao longo do tempo.

 

Sobre os desafios de trabalhar com autismo, a profissional enfatiza que as diferentes situações clínicas envolvidas nos transtornos do espectro do autismo irão influenciar na forma como o trabalho é realizado devido às particularidades de cada paciente. “O maior desafio é realmente manter a questão de rotina de atendimento, manter essa criança organizada, falando principalmente com as crianças que estão no quadro severo de autismo, que são aquelas crianças que são um pouco mais complicadas de lidar, de você querer ensinar algumas habilidades pra elas”, ressalta Franciny.

 

Outra situação é a durabilidade do tratamento. Respeitada a individualidade de cada criança, há um consenso dos profissionais que as intervenções podem possibilitar que o autista desenvolva habilidades sociais e se torne independente e autônomo, ou seja, é necessário distinguir e ter a capacidade de responder tanto às demandas de habilitação/reabilitação de duração limitada, quanto ao estabelecimento de processos de cuidado àqueles pacientes que necessitem de acompanhamento contínuo e prolongado.

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Trabalhar o lúdico com os autistas contribui para aprimorar as habilidades | Foto: Anne Rose

O papel da família na vida da pessoa com autismo

A família tem uma importância enorme na vida e no desenvolvimento de pessoas autistas. Receber o diagnóstico de um filho ou um familiar com transtorno do espectro autista não é fácil, gera um turbilhão de sentimentos e pensamentos, muitas perguntas que só serão respondidas com o passar do tempo e muita busca de informações sobre o assunto.

 

Mas de fato o núcleo familiar é fundamental para que uma pessoa com autismo venha se desenvolver e buscar o seu lugar na sociedade como cidadão de direito. Quando pensamos no desenvolvimento saudável de qualquer criança, nos remetemos rapidamente ao papel da família e dos adultos envolvidos na sua na criação e cuidado. 

 

Sabe-se que as crianças com TEA precisam de todo apoio, suporte e afeto, assim como qualquer outra criança. Porém, no contexto do autismo, o papel da família fica evidente quando compreendemos que mesmo as intervenções diretas com a criança só têm o efeito desejado quando são mantidas em todos os ambientes que a criança vive.

 

Daiane Rose e Isaías Barbosa, pais do Davi de 11 anos, autista com nível de suporte 1, relatam o longo caminho que percorreram para entender as necessidades do filho e como o apoio familiar tem sido determinante nos resultados alcançados no desenvolvimento dele.

 

“Receber o diagnóstico de um filho com autismo é difícil, porém as lutas começam aí, com as dificuldades de conseguir tratamento, dificuldades de inserção na escola e na sociedade no geral. Mas, os pais de uma criança autista não podem recuar, é preciso ir à luta em todos os sentidos. Meu filho tem muitas dificuldades na interação social, seletividade alimentar e outras necessidades, que para muitos podem parecer bobagem, mas sei que são coisas que o prejudicarão no futuro. Depois que entendi a importância da família nesse processo formei uma rede de apoio com minha família, Associação Meu Mundo Tea e simpatizantes da causa para dar todo o suporte necessário ao Davi e também a outras crianças, as quais as famílias não sabem bem como lidar”, pontuou a mãe.

 

“Através do acompanhamento e do apoio total da nossa família, com estratégias de convivência, sempre colocando em prática em casa o que aprendemos com a terapeuta no consultório estamos conseguindo bons resultados com o Davi. Hoje ele interage melhor conosco e realiza no tempo dele algumas atividades que antes não queria nem saber. Fazemos o possível para não deixa-lo sozinho nessa caminhada, vamos com ele até onde pudermos ir, mas queremos acima de tudo que ele se torne cada dia mais independente para que consiga viver bem em sociedade”, frisou o pai orgulhoso.

 

A mãe do Davi finalizou falando sobre o mundo que seria ideal para receber seu filho e todas as crianças com TEA. “Gostaria que ao menos por um dia todos os seres humanos enxergassem pela óptica dos autistas, pois só assim teríamos um dia sem maldade, sem preconceito, sem discriminação, e nesse dia seríamos cheios de amor e de respeito uns pelos outros, pois essa é a óptica tão linda deles. Quero um mundo melhor para o meu filho e para tantas outras crianças que sofrem com as injustiças de uma sociedade preconceituosa, cheia de bullyings e despreparada para entender as minorias. Desejo daqui a alguns anos deixar meu filho dentro de sua inocência viver sem tanto suporte, ir à faculdade sozinho, igreja e tantos outros lugares e ter a confiança que ele não sofrerá preconceitos, ou não será discriminado pelo simples fato de ser autista. Gostaria que ele se tornasse adulto em sociedade com mais amor ao próximo, respeito e empatia”, finalizou a mãe emocionada.

Créditos

Aline Tâmara
Anne Rose dos Santos
Humberto Cavalcante
Lucas Maia
Luiz Nascimento

Micael Lima

Sobre

Este trabalho é uma reportagem acadêmica desenvolvida durante a Disciplina Laboratório de Webjornalismo e Jornalismo Multimídia, ministrada pelo Prof. Marcos Carvalho, no Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Alagoas (Ufal)

Dezembro de 2022

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